domingo, 4 de abril de 2010

Carta de Noel Rosa a Edgar Graça Mello

Belo Horizonte, 27 de janeiro de 1935

Meu dedicado médico e paciente amigo Edgar.
Um abraço.
Se tomo a liberdade de roubar mais uma vez seu precioso tempo, é porque tenho certeza de que você se interessa por mim muito mais do que eu mereço.
Assim sendo, vou passar a resumir as notícias que se referem à marcha do meu tratamento.
E, para amenizar as agruras que tal leitura oferece, resolvi fazer uso das quadras que se seguem:

Já apresento melhoras:
Pois levanto muito cedo
E... deitar às nove horas
Para mim, é um brinquedo!

A injeção me tortura
E muito medo me mete;
Mas... minha temperatura
Não passa de trinta e sete!

Nessas balanças mineiras
De variados estilos
Trepei de várias maneiras
E... pesei cinqüenta quilos!

Deu resultado comum
O meu exame de urina.
Meu sangue: - noventa e um
Por cento de hemoglobina.

Creio que fiz muito mal
Em desprezar o cigarro:
Pois não há material
Pra meu exame de escarro!

Até agora, só isto.
Para o bem dos meus pulmões,
Eu, nem brincando desisto
De seguir as instruções.

Que meu amigo Edgar
Arranque deste papel
O abraço que vai mandar
O seu amigo
Noel.


Sambista, cantor, compositor, bandolinista e violonista brasileiro, Noel Rosa foi um dos grandes nomes da música brasileira.

Hoje é extremamente comum em grandes metrópoles de todo o mundo vermos "meninos do asfalto" fazerem a conexão com a cultura do "morro". Noel Rosa foi vanguarda nesta história. O Hip Hop estado-unidense que se propaga hoje por todo mundo é uma outra versão (mais moderna, com uma maior amplitude - globalização tá aí!) do que Noel viveu e fez com o samba no final dos anos 20 e nos 30.

Perdemos esse grande artista precocemente, em 1937, com 26 anos, vítima da tuberculose.

O mais recente post do blog "saúde e etc" (http://saudeeetc.blogspot.com/) é uma explicação curta, simples e bem esclarecedora do que é esta velha doença, que, nos dias de hoje, ainda reúne esforços do MS e da OMS na intenção de diminuir suas vítimas. O impacto da tuberculose no mundo atualmente ainda é tão grande que existe uma organização voltada apenas para tentar freá-la, a Stop TB.

O MS veicula na mídia um importante recado: TOSSE POR UM PERÍODO IGUAL OU SUPERIOR A TRÊS SEMANAS ININTERRUPTAS PODE SER TUBERCULOSE, quem apresenta este sintoma deve procurar um profissional de saúde para auxílio. A intenção de passar este conhecimento para a população é aumentar a detecção dos casos de tuberculose permitindo, portanto, seu tratamento. Essa é uma grande arma contra essa doença, mas não a única.

Um grande problema que fundamenta a ainda elevada prevalência da tuberculose é o abandono do seu tratamento.

A tuberculose tem um tratamento muito demorado (no mínimo seis meses), mas o paciente começa a sentir-se bem ao final de algumas semanas do seu início. Quando sente-se bem, a importância dada ao ato de medicar-se reduz consideravelmente, principalmente mais de uma droga, mais de uma vez por dia, por vários meses, e neste momento muitos abandonam o tratamento. Esse abandono do tratamento pode induzir a resistência bacteriana as drogas, fato que justifica o aparecimento de cepas resistentes ao tratamento no mundo todo. A seleção de bacilos resistentes culmina em uma doença muito mais difícil de tratar.

A ADESÃO AO TRATAMENTO DA TUBERCULOSE É ALGO MUITO IMPORTANTE! PARA O INDIVÍDUO CONTAMINADO E TAMBÉM PARA TODO O MUNDO! AS BACTÉRIAS MULTIRRESISTENTES NO FUTURO INFECTARÃO OUTRAS PESSOAS.

O tratamento da tuberculose é gratuito e está disponível nas unidades de saúde pública do País. A rede privada não oferece atendimento para doença, e os medicamentos não podem ser comprados em farmácias.

Importante: Existe muita controversa com relação a eficácia da BCG (vacina da marquinha do braço que proteje contra a TB). Atualmente o mais aceito é que ela proteja contra as formas graves da doença, portanto mesmo aqueles que foram vacinados contra a doença podem desenvolvê-la.



Último Desejo

"Nosso amor que eu não esqueço, e que teve o
seu começo
Numa festa de São João
Morre hoje sem foguete, sem retrato e sem bilhete,
sem luar, sem violão
Perto de você me calo, tudo penso e nada falo
Tenho medo de chorar
Nunca mais quero o seu beijo mas meu último desejo
você não pode negar
Se alguma pessoa amiga pedir que você
lhe diga
Se você me quer ou não, diga que você
me adora
Que você lamenta e chora a nossa separação
Às pessoas que eu detesto, diga sempre que eu não
presto
Que meu lar é o botequim, que eu arruinei sua vida
Que eu não mereço a comida que você pagou pra mim"

Noel Rosa

3 comentários:

  1. Caramba, vou cuidar da minha tosse. Não entendi a analogia com o hiphop, o que é que Conversa de Botequim tem a ver com a ver com 50 cent?
    bjs, LC

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  2. Acho que o funk aqui no Rio trilha atualmente caminhos semelhantes aquele que o samba traçou há muitos anos.
    Música da periferia, falando da periferia, que apesar de ter aceitação em diversas camadas da sociedade ainda é extremamente marginalizada. Voz da perifeira, com língua da periferia.
    Alguns convulsionam ao me ouvir dizer isso, consideram quase uma heresia, devido ao linguajar chulo do funk, mas, 2 coisas: 1- existe funk que não fala de... hum... "órgãos sexuais", 2- acho que isso é um retrato da atualidade. Não precisa gostar, mas o mundo mudou.

    Explicar o paralelo com o funk é mais fácil, é da minha cidade, é mais o meu dia-a-dia, mas, acho que o paralelo extende-se ao hip hop da mesma maneira. Lá no lado de cima do Equador não tem esse tipo de "conversa de botequim", até pq, botequim é algo muito brasileiro, mas tem pessoas fazendo cultura (ainda que muitos desaprovem essa cultura, alegando, por vezes, que cultura não é isso) da periferia e mostrando e contaminando o "centro" com sua arte.

    O Noel, menino de classe privilegiada, estudante de medicina se encantou com o samba (que bom!) das classes menos favorecidas, "bombou", e levou sua arte do botequim, das rodas, do morro, prás festas de clubes fechados das classes mais ricas. O hip hop e o funk fazem hoje o mesmo.

    Acho que é mais ou menos isso.

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  3. Parabéns. A matéria ficou muito boa. Ficou bem dinâmica, pois além de nos alertar sobre a tuberculose, ainda nos informou um pouco mais sobre Noel Rosa, que como você mesma citou: foi um dos grandes nomes da música brasileira.

    Obrigado por fazer referência ao meu blog.

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