quinta-feira, 1 de abril de 2010

Tim Maia, chocolate, o tráfico de drogas e a educação em saúde!


-O Senhor aceita um cafezinho?
-Não! Eu quero chocolate!

- Que seja com alto teor de cacau, Tim!

Tim Maia, figuraça(AÇA!) da música brasileira, tinha o costume de chamar o haxixe (resina extraída das folhas e inflorescências do cânhamo, cujo uso é muito comum no Oriente) de chocolate.
Quem leu a biografia do cantor, como eu, sabe disso. Quem não leu, recomendo, é um excelente entretenimento.

Estava no trânsito, pensando sobre o meu post anterior: chocolate, Tim Maia, haxixe, tráfico de drogas, Rio de Janeiro, vida... Surgiu na minha cabeça este post.

Fazer uma conexão do impacto do tráfico de drogas na saúde pública não é trabalho nenhum para qualquer morador de uma grande cidade do mundo como o Rio de Janeiro. Mas, normalmente, se pensa no impacto das drogas na saúde dos indivíduos. Os inúmeros malefícios que o uso rotineiro de tais substâncias podem acarretar nos organismos e suas consequências para o sistema de saúde.
Mas eu estava pensando em outra coisa...

O comércio ilegal das drogas e armas é enorme, diariamente vários cidadãos estão envolvidos em tais atividades. Esse é o seu trabalho, é de onde tiram o seu sustento, o que lhes permite viver. Viver por pouco tempo, visto que a expectativa de vida neste ramo comercial é baixíssima. Encontrar um traficante com mais de 30 anos é tão difícil quanto comprar alcóol em gel num surto de gripe suína ou repelente em uma epidemia de dengue aqui na Cidade Maravilhosa.
Como qualquer carreira, esta é uma escolha de um cidadão, e quem opta por seguí-la, provavelmente, não vê na morte precoce um problema. Tudo isso abre margem para inúmeras reflexões e (acaloradas) discussões por si só, e eu sei que estou sendo um pouco taxativa e simplista com algumas afirmações, mas isso é só para que eu consiga chegar no meu ponto, não posso contemplar tudo que o tema permite em um único post. Então vamos lá.

Tenho certeza de que tal vida efêmera tem um impacto enorme na saúde pública. Na saúde coletiva. Na saúde da cidade. Principalmente no que diz respeito as doenças infecto-contagiosas, em especial aquelas sexualmente transmissíveis.

Quando se fala em saúde pública se fala em prevenção.
Prevenir o que? Bom, se estamos falando de um coletivo devemos nos focar nas doenças mais comuns e que são as maiores responsáveis pelas mortalidade e mortandade de uma cidade. Dessas podemos destacar, por exemplo, o diabetes e a hipertensão arterial, que acometem grande parte da população e tem duras consequências a longo prazo. Hábitos de vida saudáveis podem prevenir (em parte) essas doenças, e isso se atinge através da conscientização da população, da educação. Porém, essas doenças (bem como outras) não são relevantes na população supracitada pela faixa etária de prevalência.

Diferentemente destas, as DSTs (doenças sexualmente transmissíveis) tem a sua maior incidência entre os jovens. Dentre estas patologias destaco a AIDS e a hepatite B, por ainda não terem cura, e o HPV por ser diretamente ligado a virtualmente todos os casos de câncer de colo uterino.
A forma de se prevenir as DSTs é a mesma para todas: CAMISINHA! Algo prático e gratuito (o governo distribui e o acesso é fácil). Mas, mesmo assim, nem todo mundo usa, e isso também é tema para inúmeras reflexões e debates calientes.

O grande problema das DSTs (quando se fala em coletivo) é que, diferentemente da H.A.S., as pessoas contaminam outras. Não é uma doença que um indivíduo tem e "é problema dele", é problema nosso, visto que um portador coloca algumaS pessoaS em um grupo de risco.
Mas, apesar da diferença na propagação, a solução é a mesma da pressão alta: conscientização da população, educação.

É aqui que todo o meu texto vai se unir. Tcharãn!

Por que um indivíduo que não se importa em morrer antes dos 30 devido a sua atividade laboral se importaria em contrair uma doença que o mataria dentro de 10, 20, 30, 40 anos?

OK, ele vai ingerir muito sal, fumar muitos cigarros, comer muita gordura trans, levar uma vida sedentaria e beber até cair todos os dias de sua vida, sem nunca ver a hipertensão chegar. Nem a cirrose e nem o câncer de pulmão, porque para isso ele teria que viver mais. Sem problemas.

Mas, mais uma vez, estas doenças não são transmitidas de um indivíduo para outro.

E as DSTs?

Provavelmente ele já terá morrido em exercício de sua profissão antes da hepatite falir o seu fígado, ou da AIDS tornar seu sistema imune fraco demais para vencer uma "gripe boba". Todavia suas parceiras provavelmente terão uma vida mais longa e outro(s) parceiro(s).

O transmissor, que não se preocupou e tampouco sofreu as consequências de uma infecção, deixou para sua viúva um câncer de colo em 15 anos. Uma outra viúva contaminou seu namorado seguinte com o HIV, este rapaz era "saidinho" e contaminou aproximadamente 20 outras mulheres. Uma delas se casou, teve filhos, todos HIV positivo. E por aí vai...

Quando se fala em doenças infecto-contagiosas uma pessoa contaminada abre uma gama de possíveis contaminações grande, e cada nova pessoa contaminada abre um novo espectro, aumentando progressivamente os possíveis (e prováveis) novos infectados.
Agora eu retomo a minha questão.
COMO?
Como se conscientiza alguém a cuidar de sua saúde, de sua vida, se esta é algo que o indivíduo em questão valoriza de uma forma tão distinta da população para qual as campanhas de educação estão voltadas?

Como eu poderia responder a essa pergunta se tenho uma visão de mundo tão distinta daquela que IMAGINO que o grupo de pessoas ao qual me refiro tenha, visto que o valor que imprimimos as coisas é completamente influenciado pelo meio no qual vivemos.

Mas se o objetivo é atingir muitas pessoas não adianta apenas pensar e falar com valores próprios.

Aliás, como não se reduz a visão de mundo de uma pessoa, a uma visão de mundo de um grupo de pessoas? Claro que o meio é importante, mas ele não é tudo. Existe um fator pessoal muito importante no que diz respeito a pensamento. Óbvio? Tenho minhas dúvidas...

Aqui na "cidade maravilha purgatório da beleza e do caos" muitos cidadãos trabalham com o tráfico. Saber como conscientizá-los, como educá-los em termos de práticas de saúde, principalmente no que diz respeito as doenças que tem o homem como vetor, é algo muito importante para uma cidade mais saudável.

Paulo Freire disse que "ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo", complemento isso com outra frase dele, "Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto".

Quem sabe um dia (se a minha vida seguir esse caminho), com experiência prática de saúde pública, de prevenção, eu tenha um esboço de resposta para essa e tantas outras questões.

Enquanto isso não acontece, se alguém tiver algo a dizer, é só postar.

4 comentários:

  1. Valentina, sua lucidez me emociona. É comovente a sua capacidade de ver como os fatos se ligam, se embaraçam, e que a possibilidade de mudança de perspectiva reside em pequenos gestos de grande significado. Você já tem a generosidade necessária aos educadores. O resto é escolha. B.j

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  2. Interessante. Existem estudos sobre o assunto?

    Concluimos que com políticas sociais efetivas e melhorias na educação pública a longo prazo teríamos avanços em todas as áreas: segurança, saúde...

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  3. Super interessante!
    Recheando esse texto com referências e dados confiáveis, se produz um paper de relevância pública.
    bjão

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  4. uma pequena amostra de como sua mente "trabalha"! gostei!

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